quinta-feira, março 30, 2006

Dedicado a um cão (já agora, um boxer) um dos melhores amigos que eu tive... que saudades do seu correr pelos campos, agora que os dias são maiores:

o menino jesus
em noite de natal
fugiu do presépio e
brincou com os teus olhos


(Não sei se deveria explicar tudo, mas... morreu-me atropelado na véspera de Natal)

quarta-feira, março 29, 2006

Ouvir o piano de Arturo Benedetti Michelangeli equivale a desmontá-lo (ao piano!), como ele chegou a fazer, para podermos contemplar a madre donde brotam todos aqueles puríssimos sons...
E não é que, com este pianista, nós chegamos mesmo à água que brota das fontes sagradas para a podermos beber assim fresca da concha das suas mãos enormes?...

domingo, março 26, 2006

A vida , para se construir integral, demora muito tempo, por breve que ela possa ser. Lembrou-mo, mais uma vez, uma sonata de Benedetto Marcello (violoncelo) : o estudo de um simples compasso pode levar uma semana (não a parte técnica, que é mais fácil, mas a interpretação musical). Parece uma eternidade de sofrimento, quase desistimos... mas, de repente, desperta em nós o bálsamo da paz. Pensamos que o não merecemos, que não fizémos o suficiente para o merecermos, mas, por um momento sentimos que vivemos algo que, futuramente, nos trará lembranças felizes... e quando tocarmos esta sonata para os outros, podemos tocá-la mal, podem os outros de nada se aperceberem, mas estaremos, para nós, a presentificar um momento da felicidade primordial, por mais efémero que seja. Valerá a pena?

terça-feira, março 21, 2006

No dia da poesia... também início da Primavera:

No perfil melódico da flor
o perfume veste-se de luar e
entorna-se sobre a agitação do vento.
As pétalas são olhos banhados de orvalho,
a face da corola é um jardim de prata.

quarta-feira, março 15, 2006

Todos os dias acontecem coisas que, pela sua simplicidade, nos comovem. Até com a gripe das aves, que parece ameaçar-nos com um outro fundamentalismo como o anti-tabaco (e atenção, eu não fumo!).
Aconteceu-me hoje:
Um homem, perto de minha casa, destruía ninhos de andorinha. Um rapaz (um jovem, não um velho!) disse-lhe:
-Que mal lhe fizeram esses passarinhos?
-Então não sabes que as andorinhas vêm da África, do Egipto, e trazem o perigo da gripe das aves? - e após uma breve pausa - Se tivesses fihos pequeninos , sabias!
Então, o jovem respondeu com aquela candura que encantou Basil Hallward ao pintar Dorian Gray:
-Coitadinhas das andorinhas! Se esse micróbio é assim tão forte, como é que elas, tão pequeninas, aguentavam a voar com ele desde a África?

(Sorri: argumento belo e irrespondível!

domingo, março 12, 2006

Final de "O Leopardo", de Lampedusa, quando o embalsamado Bendicò ("porque até ele evocava recordações amargas"), foi "atirado para um canto do pátio que os homens do lixo visitavam todos os dias":
...durante o voo da janela até ao solo, a sua forma recompôs-se por um instante; viu-se um quadrúpede de compridos bigodes dançando no ar com a pata anterior direita erguida, como se amaldiçoasse. Deois, a paz voltou a cair sobre um pequeno monte de poeira lívida.

O que nos espera!!! Se ao menos puder ser com a pata erguida (direita ou esquerda, tanto faz)!

quarta-feira, março 08, 2006

Aproxima-se um amigo,
caminha devagar,
o homem veste-se das folhas
que a brisa da tarde fez cair e
recebe-o quase alegre.
A casa brilha sob o luar,
o amigo suportou a poeira da jornada,
sofrerá, mais tarde, a dor da despedida.

quarta-feira, março 01, 2006

Lido em "Esopo emendado & outras fábulas fantásticas", de Ambrose Bierce (Ed. Antígona):

Uma Águia, ferida de morte por um arqueiro, sentiu-se bastante reconfortada ao observar que a flecha tinha sido feita com uma das suas penas.
-Sentir-me-ia francamente mal - disse - só de pensar que alguma outra águia tinha algo a ver com isto.