segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Não fomos a Singeverga visitar algumas das memórias do Daniel Faria, mas, no meu jardim, surgiram as primeiras flores nas magnólias! Sendo assim:


Também uma magnólia


A Daniel Faria



Quando colhi na tua voz
a voz da magnólia
não podias já levar-me a ela
revelar-ma sem a distância da palavra.

No meu jardim
eu sabia de outras magnólias
pássaros pousados
antes ou depois dos longos voos
e a flor da magnólia era o voo dos pássaros
e era o pássaro que voava
e era a voz que queria falar de magnólias
e era o poema que aí vinha
e era a tua magnólia sem eu saber que o era
por não ter vindo nunca a minha casa
nem nunca ter visitado o meu jardim.

As magnólias do meu jardim nasceram de uma só
vinda de longe ao colo de um vaso
rendado da infância das mãos que o trouxeram.
Dormiu descansada o tempo devido
à sua bíblica multiplicação
não sabendo eu ir ainda além das magnólias
nem poder vesti-las em poema
ou ler nelas a página de um livro.

Agora sei:
uma magnólia não traz no ventre apenas outras magnólias
traz também, do Outono, o céu plumbeo
derramando lágrimas sobre os campos
o vento frio das tristezas adormecidas no Inverno
a geada que as amortalha
as madrugadas de fé
a consolação dos aflitos
a dor dos que sofrem emn silêncio.

As magnólias são círios ao redor da minha casa.

Das muitas que agora cobrem o meu jardim
eu digo apenas magnólia
e todas me falam a saudade das tuas mãos ausentes
e têm o teu nome escrito a seiva
no caule
nas folhas
no sanguíneo violáceo das corolas.

A magnólia brinca com o sol e
dobra-se à passagem do poema.